Aconteceu comigo, não quer dizer que isto tenha de ser assim com outras mulheres. Sofri. Sofri mesmo muito. Não culpo o hospital, não culpo ninguém que me tenha dado assistência, apenas acredito que tinha de ser assim, infelizmente.
Dia 30 de Março
Estava sem sono e resolvi ficar a terminar uma revista do trabalho que estava pendente. A insónia durou até às 5 da manhã. Comecei com umas dores estranhas. Pensei se seriam cólicas, mas não, eram um pouco fortes para serem cólicas. Comecei a olhar para o relógio e apareciam de 30m em 30m, percebi que eram contracções.
Pensei, “cumcaraças, que faço agora? Também não estou a gritar de dores para acordar o maisquetudo e irmos a correr para o hospital” e assim foi. Fui me deitar e com o telemovel lá ia contando os minutos que espaçavam as dores. Sei que não dormi nada e sei também que quando o maisquetudo acordou disse-lhe “acho que estou com contracções há imensas horas, só que agora estão mais intensas e com menos espaço entre elas. Acho melhor irmos ao hospital.” e assim foi.
12h00 estava nas urgências do Hospital São Francisco Xavier. As urgências da obstetrícia não estavam com muita gente pelo que fui rapidamente atendida. Quando entrei, fizeram o toque (maldito toque, a primeira vez que me fizeram não doeu, mas quando foi a segunda, até vi estrelas, juro que sim!) e mandaram-me fazer um CTG. Ora bem, para quem não sabe o CTG detecta o ritmo cardíaco do bebé e também as contracções que a mãe sente. Apesar de me ter contorcido com dores para aí umas 3 vezes em 30 minutos, a máquina não detectou nada. O médico claro, perante isto só podia ter dito “pois a máquina não detectou nenhuma contracção. Olhe vá para casa, vá andar, que isto ainda está demorado” e eu disse “Mas Dr. estou com dores (ai filha ainda não sabias tu o que eram dores) e vai me mandar embora assim? olhe que isto vai continuar e daqui a pouco estou cá outra vez?” ele responde “Pois…se doer mais, volte.”
Saí dali cheia de raiva e com dores. Mas é suposto sofrer quanto tempo? É suposto isto durar quanto tempo? Não há maneira de induzir? Pois bem, hoje percebo que me mandaram embora para tudo ser natural. Fomos então amenizar a dor para a pastelaria Careca, enfardei uns croissants e uns palmiers mas a dor mesmo assim não passou.
23h00. As dores continuavam, o maisquetudo não me aguentou ver assim e insistiu para irmos para as urgências. Lá fomos nós. Toque outra vez, CTG e a médica “Oh filha, ainda tem pouca dilatação. Tem de ir para casa e volte daqui a 5 ou 6 horas.” Isto depois de eu ter barafustado e ela até ter de me fazer um desenho para me explicar o porquê de me mandar embora.
Dia 31 de Março
3h00 da manhã. Disse ao maisquetudo “algum de nós vai ter de descansar, eu fico na sala, vai tu dormir”. Puxei do puf pus-me em cima dele de joelhos e a cabeça no sofá, foi uma posição que tinha na cabeça de um cartaz que tinha visto na sala do CTG. Aliviava mais do que estar em pé ou sentada mas, não o suficiente para não chorar cada vez que vinha uma. Já contava contracções de 10m em 10m e isto assim até às 8h da manhã. Tinha a cabeça pesada estava cheia de sono e não conseguia imaginar ir outra vez para as urgências e mandaram-me embora mais uma vez.
8h00. A minha mãe veio ter connosco a casa e lá fomos nós. Chegámos, entrámos, chamaram-me e eis novamente o toque. Já quase sem forças para explicar que já estava no meu limite de dor eis que o médico diz “Pois, daqui já não sai”. Não sabia se havia de rir ou chorar. Mandaram-me despir e vestir uma bata e colocar a minha roupa toda num saco que a minha mãe veio buscar. Entretanto fui para uma sala de partos em que se apresentou uma enfermeira que disse que me ia acompanhar até a Mercês nascer. Mais um toque e pergunta-me se quero a epidural. “QUERO, QUERO MUITO”. Lá chamou o anestesista e mandou-me estar muito quietinha e sentada na maca toda inclinada para a frente. Não custa mesmo nada. Até porque já estava com dores há tantas horas que nem sei qualificar a dor daquela agulha nas costas. Entretanto mandaram entrar o maisquetudo a quem se via estampada na cara a aflição e preocupação. A epidural estava a fazer efeito, pois sentia-me confortável o suficiente para fechar os olhos. Sei que dormi para aí uns 40m, entretanto as dores começavam a voltar.
Não podia ser, a epidural durava tão pouco tempo? Chamámos a enfermeira que me disse que não podia dar outra epidural, que só podia levar três e que tinha de aguentar, que me deu epidural mas que eu estava apenas com dois dedos e meio de dilatação e que tinha de dilatar mais. Não queria acreditar!! então onde estava o milagre das epidurais? Como é que ia aguentar até a criança nascer? Só me restavam duas, e se não aguentasse até ela nascer? Ia sentir tudo?? Não estava mentalmente preparada para mais dor. Mais tarde entra outra enfermeira à qual lhe dissemos que estava cheia de dores. “Então e porque não pede outra epidural?” ” Eu pedi, mas disseram-me que só podia levar três” “Disparate tem direito a quantas quiser” – a outra enfermeira não me queria dar mais, só para eu conseguir dilatar. Lá me deram a segunda. Entretanto colocaram-me uma algalia doeu cómócaraças, e eu só pedia para me tirarem aquilo eu jurava que não ia fazer nos lençóis. É que além da dores das contrações estava ali mais uma coisa que me incomodava e fazia pressão.
14h00 entra a enfermeira que me faz novamente um toque e eis que sinto água a escorrer ” Fiz xixi” e ela “Não!! Rebentaram as águas”
16h00 Entra novamente a enfermeira, lá vai mais outro toque e diz “Isto não passa dos 4 dedos de dilatação acho que vamos para cesariana. Tenho de chamar os médicos e ver o que eles acham”. Entraram dois médico e eis que a médica faz o toque novamente (e eu com vontade de lhe dizer “mas acha mesmo que é preciso?? A sra enfermeira acabou de fazer isso, 4 dedos Dr.ª, 4 dedos, não há necessidade de estarem sempre a verificar!!” Mas não, calei-me e aguentei) “Pois, acho que vamos mesmo para cesariana” – disse a médica.
Tinha pena de não ser parto normal mas, já estava há tantas horas em sofrimento que eu só queria era a M. cá fora. Estava cansada, o corpo já estava saturado, os meus olhos só queriam descanso e eu estava por tudo.
18h30 Entra a enfermeira no quarto- estava com cara de chateada. E o maisquetudo mete-se com ela e pergunta-lhe se o dia estava a ser cansativo. E ela responde que não era isso, que estava chateada porque era suposto eu ser a seguir para o bloco mas que tiveram de passar uma urgência à frente. Eu só lhe pedi por favor então para me dar um reforço pois as dores tinham voltado. Ela foi perguntar aos médicos que lhe deram o ok. Pelas minhas contas nesta altura já devia ter levado epidural umas 5 vezes.
20h30 As dores estavam a voltar, pedimos epidural novamente á qual me respondem “Não podemos dar mais nenhuma. Entrou mais uma urgência para o bloco mas a seguir vai a Cátia”. Mais uma que me passou à frente?? Mas vamos ficar aqui a noite toda pensei eu?! O maisquetudo só lhe disse “Veja lá se não me fazem com que a criança nasça a 1 de Abril!”
21h30 Vieram-me buscar, o maisquetudo despediu-se e eu tremia. No bloco passaram-me para outra maca e apresentaram-se, anestesista, enfermeiras, cirurgiões. Tudo malta nova e bem dispostos. Puseram-me um lençol à frente e o anestesista diz – “Vamos aqui fazer um teste, quente ou frio. O que sente?” “Frio.” “E agora?” “Nada.” “Certo. E agora?” “Quente.” “tlimtlimtlim acertou em tudo e ganhou uma anestesia local.” Eram porreiros e cómicos e, depois de tantas horas, se assim não fosse não sei como me iria sentir. Sei que apesar da cintura para baixo estar adormecida senti tudo. Senti o corte sem dor, senti um remexer que nunca mais acabava, olhava à minha volta à procura de distracção e eis que olho para cima e vi o que não queria ver, as luzes que iluminam a operação tem pequenos espelhos e sem querer percebi o que estava a reflectir. Virei a cara mas a imagem não me saía da cabeça. Eis que oiço um pequeno choro. Era ela. Mostraram-ma, mas logo ali perto de mim limparam-na primeiro e vestiram-na, e só depois encostaram a carinha dela na minha. Isto sim foi algo que ultrapassa qualquer dor, qualquer sofrimento, qualquer sentimento, qualquer sensação. As lágrimas não me caíram, caem agora ao contar tudo isto. Mas, naquele momento acho que estava tão esgotada que até as lágrimas secaram.
Ainda hoje encosto a carinha dela na minha e só me quero recordar disto. Destes segundos espectaculares, da temperatura dela, do cheiro dela, da pele dela. Porque tudo o resto foi…doloroso. Sei que depois pensei que iria ser rápido, só a queria nos meus braços e ver fim àquilo tudo. Entrei em nervosismo absoluto. Ao meu lado direito tinha uma enfermeira para aí com a minha idade a dar-me a mão e a tentar acalmar-me – uma querida; do lado esquerdo tinha o anestesista que me dava festas na cara, mas nada disso me fazia parar de tremer. Pediram-me para respirar fundo mas o meu nariz estava entupido, a garganta estava seca e eu só pedia água. Tremia tanto tanto que os meus braços que estavam esticados tipo jesus na cruz, parecia que dançavam nos apoios. Parece que saí uns instantes do meu corpo, olhei para baixo e vi o meu corpo todo a tremer, a minha cabeça não se aguentava no sítio, abanava para a esquerda e para a direita com um desespero tão grande que só queria que tudo acabasse. Aqueles minutos para mim foram horas. Não sei se algum dia vou esquecer isto tudo, mas sei que até hoje ainda está bem presente.
Quando acabou sei que fui para o recobro e ela estava ao meu lado. Sei que a puseram a mamar, mas não me lembro como. Tenho imagens na minha cabeça mas porque o maisquetudo tirou fotografias. Sei que tremia quando ele chegou e sei que muito depois, quando a minha mãe e irmã entraram, já não tremia. Lembro-me depois de ir para o quarto, do maisquetudo estar lá e depois não me lembro muito bem como foi essa noite.
Não tenho nada a dizer de todos os médicos (as), enfermeiros (as), auxiliares. Aliás só tenho de agradecer áqueles que me deram carinho e atenção, que foram incansáveis comigo e com a M.. Foram espectaculares, principalmente os enfermeiros e enfermeiras que me ajudaram nos três dias que se seguiram.
Sei que os dias que se seguiram também davam um filme. Mas isso fica para outro post.